Aplicado o filtro por Data: Julho 2021
Novo dia
Com este pôr do sol sem fim, dei um descanso à minha alma
A sensação se foi e uma vez mais eu pude ver só meu sonho
Eu criei meu próprio céu para meu coração não mais chorar
Não me diga como eu me sinto. Esta é tão-só minha criação
A música morreu, também a poesia, todo amor está à venda
Mas o menino não morreu, ainda que viva sem sentido, vazio
Mas dor é temporária, a vida há de seguir, o inverno findará
Você ficará com seu silêncio eloquente, sem ter nada a dizer
O tempo te levará mais que o metal que você julgou ter valor
Minh’alma se fez livre da espada e, assim, posso voltar a viver
Pois eu reconheci minha pequenez finita diante das estrelas
O poeta renasceu, trouxe com ele os versos da nova canção
Eu quis imaginar um oceano em você, não quis ver o deserto
E agora o que eu vejo são versos sem rimas, sexo sem clímax
O fim de todo querer, o que poderia ter sido quase perfeito
A manhã já veio, não me culpe porque seu sol não brilha mais
Já conheço seus cenários. Você sente frio? Esta é a verdade
Perdoe-me se já não quero chorar, se meu rosto é sorridente
Debaixo desta chuva, ao sonhador, o vinho é canção de ninar
A procura
Não é para lua ou as estrelas que me dirijo ao te procurar
Nem para outro mundo distante de intrincados caminhos
Eu te procuro no espaço vazio da silhueta de meus abraços
Mas tu escapaste entre meus dedos qual areia do deserto
Deixando tantas páginas em branco e poemas não escritos
Já imaginei te buscar entre as gotas do orvalho das manhãs
Mas o sol se abrevia, as dissolve e leva também tua imagem
Quando olho ao oriente, onde se deita o sol, só vejo vazio
Deixando sua trilha de raios dourados espalhada pelo céu
E tudo é um enorme quebra cabeça de peças incompletas
É por isso que escrevo aos ventos, nesta solidão pacífica
Enquanto a brisa sussurra e repete teu nome gentilmente
É esta busca que me nega o conforto do sono nas vigílias
Enquanto meu coração, tolamente, segue na tua direção
Minha mão que busca teu toque, minha boca busca a tua
Sinto-te. Não sei se é teu olhar ou a respiração, mas sinto
Diz-me o porquê essa aura glacial se instalou em teu peito
Porque te olvidaste dos sonhos e renunciaste ao romance
Sei que toda espera é dolorosa, mas esquecer o é até mais
Não faças de lembranças amargas uma porta para solidão
Então venha, senta-te ao meu lado, conta-me teu segredo
Fecha os olhos e por um minuto apenas deixe o amor fluir
Pois do outro lado do horizonte é dia e a vida recomeçou
Cena 1: Do abandono ao perdão
O abandono guarda o marco primevo das sombras
Essa lacuna é o fim e o início em que se preenche
A se distribuir como um todo, ao longo dos ciclos
É a curva que encerra o círculo, na consequência
Mais profunda de toda causa. A ausência é noite
É quando todo ódio se multiplica nos quadrantes
Qual o gérmen a crescer no ventre da escuridão
O perdão é a cintilância defronte do espelho cru
Não traz esquecimento, mas o silenciar da repulsa
Para se desdobrar renascido pelo campo crestado
Para se tornar o alimento contra todo o desprezo
O qual promove a ira interior, apaga pensamentos
De autoestima e adere em sua natureza brilhante
Perdoar levanta o véu da vingança e a vida segue
Livre das sombras é hora de recomeçar o caminho
Iniciar o duplo movimento sem a limitação do caos
Essa forma aliciadora de rígidos e frios contornos
Que se apoia no princípio do conflito para o nada
Chegou-se a hora de abster a existência coagulada
Perceber o horizonte e seguir a vida nessa direção
Esquecer o rancor e a ausência na maior distância
Aquele que é capaz de perdoar, presta o bem a si
Pode ir, liberto das sombras, como num dia de sol
Coluna da Maria Luiza 18 - Securas e Valsa
Securas e valsas
Quem entardece no tempo, sabe que o sol nem sempre se põe contente. Dias tem que parece chorar lágrimas de sangue, ardentes e de secura ímpar. São dias em que a fumaça e a fuligem da doença humana embaçam seu brilho. É assim que assisto hoje um final de dia, desde a minha janela.
Só quem entardece no tempo, pode avaliar uma boa e distante lembrança, quando ouve a Valsa das Flores, por exemplo. A valsa que dançou com o pai na celebração dos seus quinze anos. No meu caso, na sala da casa da minha avó, o que na época a mim parecia um salão encantado. Nem sei de onde apareceu o som eternizado por Tchaikovsky, naquele lugar distante da Europa e dos centros culturais do país.
Quem enrubesceu aos primeiros olhares apaixonados e se deslumbrou com estreias de beijos também pode ter lindas lembranças colecionadas.
Quem entardece no tempo tem histórias e cicatrizes. Tem queloides e tem rugas. Quem entardece no tempo pode ter olhares complacentes para paisagens tristes. Tem sorrisos doces para poesia e arte. Tem resiliência porque sabe que o sol se põe e a noite afaga a dor das lágrimas em dias não felizes.
Sabe que o dia renasce e com ele outra oportunidade. Sabe que o cotidiano pode ser redescoberto e ressignificado.
Quem entardece no tempo, chora em cumplicidade com o sol quando sente sua impotência diante da ganância desmesurada do homem, incapaz de perceber a possível finitude do planeta e segue sugando, sugando, como se o seio da terra fosse inesgotável no aleitamento vital!
Quem entardece ... Ah, entardece e permanece com muitas perguntas diante do Universo e seus desafios seculares.
Por Maria Luiza Kuhn
26 de agosto de 2021
O Último Trem
Tênues imagens respiram no ar rarefeito da minha memória
Que conspiram silenciosamente a parecer que de fato as vejo
Não como miragens ou ficções que são, mas reais e presentes
Tudo acontece categoricamente contra uma nova distância
De seres que nunca estiveram presentes, todavia são um só
No outro lado da rua as pessoas transitam, inscientes a tudo
Na gare da imaginação o trem já embarcou seus passageiros
Os trilhos dessa estrada de ferro seguem a direção dos olhos
Fixos no sonho adiante, mansos, perdidos na distância azul
Todos os viajantes cada um sentado no seu lugar, soa o apito
A música toca suave nos vagões preenchendo-os de nostalgia
As horas impulsionam, discretas, os ponteiros de meu relógio
E a lua, completando o cenário, traça seu arco no céu noturno
Brancas nuvens leves que imitam ovelhas sob a prata do luar
As frases que nunca foram ditas amordaçam minha coragem
Desembarco na estação da desesperança com todas as malas
Meu trem segue deixando um rastro de fumaça branca no ar
Minhas imagens e miragens se vão com ele sem dar um aceno
Aos poucos calam no silêncio dessa plataforma sempre vazia
Quantos trens haverão de partir até ter meu coração de volta
Prendo a respiração e as lágrimas. A sina do poeta é ser assim.
Prendo a respiração e as lágrimas. A sina do poeta é ser assim.
Tempus Fugit
Agora que da juventude só restou saudade
Sei a dor da poesia que se esconde na noite
A dor de ave migratória a voar tantos mares
Rememoro os aromas de um antigo perfume
Não sou mais um menino de caligrafia frágil
Mas, nada olvidei mesmo ao longo dos anos
Nem o gesto trêmulo de empunhar as tintas
E fazer que as palavras soem como violinos
Lembranças luminosas de beijos memoráveis
A acelerar o peito como trem desordenado
Para senti-los no vento do outono em maio
Na senda do frio de um inverno prematuro
Onde cintilam, brancas, as folhas do poema
Sei da pergunta que caminha desde sempre
Cingida de sentimentos em nossas sombras
Essa distância do que amamos e não temos
As paredes onde pendemos vivas memórias
O medo de mostrar-se mistérios profundos
Vividos à luz de velas, desse vinho tão veloz
Para nos esclarecer que na realidade o amor
É o querer nascido luz que se fez eternidade
Desconhecido
Desconhecido
Como você é?
Sei que falo, desabafo
mas não sei quem é.
Sei que em algum lugar está
Mas onde?
Não sei o que quer
nem sei o que quero.
Mas algo me faz buscar o desconhecido.
Algo me leva a dar passos.
Sem me importar.
Quero falar,
quero conhecer
Tenho medo
tenho receio
mas tenho vontade
de buscar o desconhecido
me deixar levar pela aventura
e quem sabe
Me conhecer.
MIF- 17/08/2009
Apocalipse 4715
Coluna da Maria Luiza 17/21 - O menino e a Utopia
O menino e a utopia: da poesia para a prosa!
Um amigo poeta carregou seu violão para o plantão noturno que faz na emergência médica do serviço público (SUS). Ele é enfermeiro. Refere o quanto tem sido difícil enfrentar o trabalho em tempos de pandemia.
É de se imaginar. O poeta dedilha seu violão nas madrugadas quando o plantão silencia.
Relata, entretanto, que difícil esconder lágrimas furtivas que teimam em aparecer quando se depara com gritantes diferenças sociais.
Os pequeninos aparecem amiúde doentes e desnutridos.
A poetiza amiga ofertou-lhe versos.
Ei-los!
Carrega na mente
A obrigação do ofício
Mais uma noite: Plantão
No peito dá colo ao eterno menino e sua utopia
Sons e versos que brincam no coração.
Passeando...
Enquanto isso rompe na madrugada a urgência de um
outro menino: Um ferido
Febril e faminto, de muitas fomes
(Hoje, comeu o que mamãe?
Ora doutor, hoje ganhamos biscoitos recheados. Banquete.)
Por isso glicose vertendo na pulsão desta veia
O menino doutor
(Todo jaleco branco denomina)
Desolado vislumbra a desnutrição
Naquele corpinho deitado na maca
Tão ausente de infância
Suturas na carne, ataduras na pele
E a madrugada torna-se silenciosa
Outra vez no plantão
O curador do corpo, não satisfeito
Busca sua alma poeta
Abraça o violão e se permite chorar
Não basta, ele sabe
Menestrel da madrugada desperta
e se irmana à alma do menino na maca
adormecido por instantes
Abraçando invisíveis meninos do mundo
dedilha canções.
Acalma seu coração
Enquanto imagina a infância
se desenhando num céu de utopia.
Maria Luiza para Hang Ferrero!
8/8/2021
Supersticiosa
Supersticiosa
Não gosto de números ímpares.
Mesmo sendo, na numerologia, um cinco.
Me dão a sensação de metade, de incompleto,
de mal terminado.
Pares me dão a impressão de harmonia,
de equilíbrio, de ciclos fechados.
Assim como também não gosto de gavetas semi abertas,
de ponta de pés descobertas, de gente que se acha esperta
e de coisas erradas que fingem serem certas.